Um dos maiores nomes do
teatro brasileiro abriu o camarim que ocupava no Teatro de Santa Izabel e muito humildemente me cumprimentou:
- ”Oi, Miguel. Muito obrigada por estar
aqui conosco. Você vai nos dar uma grande ajuda ao nosso
espetáculo.”
Depois desse encontro, pensei: será que eu sou tão importante assim para receber esse elogio da maior atriz do
teatro brasileiro ?
Juntei-me ao grupo de figurantes que havia sido convocado para participar da peça “La Conchita”, uma
opereta espanhola, com a qual Bibi Ferreira
encerraria a temporada (de 01 a 13 de Setembro de 1956)
no Recife para seguir de navio para uma turnê pela Europa . Era uma noite de sexta-feira. Na
parte da manhã eu tinha ido visitar um
amigo, José Francisco, e o irmão dele, Guilherme, me recebeu como se eu fosse o
salvador do mundo. Foi logo dizendo:
- “Você chegou na hora certa. Esteja as seis da noite no Teatro de Santa Izabel para participar da peça da Bibi. Não falte. E não deu
mais detalhes.”
Jovem aventureiro, 18 anos de idade, não fiz outra coisa. Às seis da noite lá estava eu na porta dos fundos do teatro. Guilherme me
levou até o camarim dos figurantes e me meteram uma roupa meio extravagante e
uma maquiagem da qual fazia parte até um bigode pintado de preto. Tudo isso ia
acontecendo comigo sem que eu viesse a
saber, com antecipação, o que eu teria que fazer no palco. Lá pras tantas, cortina
fechada, ouvi o murmúrio do publico e arrisquei uma
olhada pela fresta da cortina. A platéia do suntuoso teatro estava lotada. Afinal,
Bibi Ferreira era um nome
respeitado e consagrado no cenário teatral brasileiro. Na década de 50,
ela montou um repertorio com sua
companhia e depois de bem sucedidas temporadas no eixo Rio-São Paulo, saiu viajando pelo Brasil com
elenco numeroso e uma produção de alto nível.
Dentre seus maiores sucessos estava
o espetáculo do qual participei, ao lado do então marido de Bibi, o ator Herval Rossano, Wanda Marchetti e Francisco Dantas no elenco.
Mas, como já disse, tudo parecia um sonho. Eu havia experimentado uma sensação um
pouco parecida quando tinha apenas 8 anos de idade. Estudava no Ginásio São Luiz, e fiz
parte de um grupo teatral infantil que inaugurou o teatro-auditorio do colégio
de Ponte D`uchoa. Era um numero que
lembrava as noitadas juninas. Enquanto
se ouvia a
marchinha “Cai, Cai Balão”,
eu e meus companheiros rodeavam uma fogueira
cenográfica E terminava o numero fazendo
uma roda no palco. Foi quando usei a minha primeira calça comprida. Emocionado,
cheguei a desfilar pelo corredor do
Auditório para mostrar que já era um homenzinho...
Com Bibi Ferreira foi um pouco
diferente, porque a emoção foi maior, apesar de que, na primeira noite, eu
realmente ia entrar em cena sem ter feito um simples ensaio e sem saber nada do
que ia fazer. Eu era aquele figurante do empurrão, como caldo-de-cana, feito na hora. No primeiro
ato, os figurantes entravam
em fileira indiana pelos dois corredores da platéia até alcançar o palco. Lá estava eu de mãos
dadas a dois companheiros, terminando
por participar de uma dança de roda. Saímos do palco e retornamos no ato
seguinte. Aí , o cenário era um típico cabaré, com homens e mulheres fumando, bebendo, se beijando e se abraçando, numa autêntica
orgia. Lá estava eu sentado a uma mesa, fazendo que estava enchendo a cara (a bebida era
guaraná). Em dado momento, uma
das figurantes vinha me fazer
caricias e sentava no meu colo. Rolavam
simultaneamente outras cenas semelhantes. A
figurante que estava sentada no meu colo sussurrou no meu ouvido:
- “Agora, você vai me empurrar.
Vou cair no chão e vou sair de cena. Você fica e toma mais um copo com raiva de mim.
Faz parte da cena. Vai, me empurra !”
Eu dei um empurrão prá valer na moça e
realmente ela se esparramou no chão e saiu blasfemando...
Isso acontecia entre o grupo de figurantes – (Na minha mesa estavam Leda
Alves, Cely, Edmilson Catunda e eu).
Talvez, Leda Alves nem se lembre mais disso. Afinal, ela se destacou no movimento
cultural, chegando a ser Secretaria de Cultura
e uma das pessoas mais influentes
do Estado.
Tudo isso, minha gente, foi muito
difícil para mim, porque tudo acontecia como uma grande surpresa. Nas demais
noites, ficou mais perfeito o meu desempenho
artístico. Já havia aprendido tudo na difícil noite da estréia.
Lembro que acabada a nossa
participação, alguns figurantes, como eu, corríam para o camarim, para retirar a maquilagem,
mudar de roupa e, então, seguíamos para
a porta principal do teatro para que o publico nos vissem mais de perto..
Vaidade de artista. Afinal, éramos
coadjuvantes de Bibi Ferreira - a maior estrela do teatro brasileiro. Lembro
que numa das noites, quando eu estava todo empolgado vendo o publico me
reconhecer, uma mocinha apontou prá mim
e disse:
- ”Foi esse cara que empurrou aquela moça
no chão... Você não tem vergonha na cara, não ?”
Desapareceria de cena ali um grande ator
frustrado. Vilão e canastrão, que nunca
mais quis saber de subir num palco de teatro.
FOTO HISTÓRICA
FOTO HISTORICA DA MINHA ESTREIA NO
TEATRO
DE SANTA IZABEL COM BIBI FERREIA (1956). NA MESA, LEDA
ALVES, EU, CELY E EDMILSON CATUNDA. NA ÉPOCA, ESTAVA
COM 18 ANOS DE IDADE.
|