Novela da Minha Vida Profissional

Novela da Minha Vida: Mister John

   Houve um período - em um ano que não me recordo -  que a carne bovina desapareceu do mercado. Do mercado só,  não: do açougue, do matadouro, do frigorífico, de todo canto. Não me atrevo a explicar os motivos desse sumiço porque realmente não me lembro mais. Foi a “crise do boi”. Quem adorava saborear um churrasco,  uma picanha ou mesmo uma carne moída ficou na pior. O “black-out” da carne foi geral, tanto das carnes nobres como das partes mais populares do boi.
     Foi nesse clima de total abstenção da carne bovina que os meus companheiros Marcos Macena  e Jorge José chegaram com uma boa noticia:
     -  “Mister John vai matar um boi na fazenda dele e convidou a gente.  Vamos lá ?” -  Macena fez a pergunta prá mim. Jorge José explicou:
       - “ É um amigo da gente. Ele é americano. Está há bem pouco tempo no Brasil e tem uma fazenda em Tapera”.
      Tapera chama-se hoje Bonança e fica no município de Moreno. Louco prá comer e levar prá casa um fardo de carne ou, pelo menos, um quilo,  aceitei o convite dos colegas e lá fomos no carro de Jorge em direção à então Tapera.  A conversa dos amigos era sobre Mister
John:
         - “Como é que um cara como Mister John deixa os Estados Unidos prá vir morar nesse fim de mundo....”
         -   “Mas, ele soube aplicar o dinheiro que trouxe. Tem uma bela  fazenda, muito gado e vive feliz com a família. Isso é o que importa.” – complementou Macena para Jorge concluir:
          -  “Mister John  é um homem feliz mesmo, porque tem uma mulher  loura muito bonita de olhos azuis como ele e duas crianças que são uma gracinha...”
           As opiniões de Macena e Jorge eu ouvia sem poder fazer um comentário, porque ainda não conhecia Mister John, embora estivesse cada vez mais ansioso para dar de cara com ele.
            Chegamos em Tapera. Deixamos a BR-232 para entrar numa rua sem pavimento, cheia de buracos.  Macena explicou:
            - “Não se espante com o lugar, Miguel. A fazenda de Mister John é meio escondida...fica lá no alto.” – e apontou para um morro. 
             Jorge dirigia o carro subindo e descendo em ruelas e becos tão apertados que o veiculo passava roçando os casebres.  Diante de uma casinha bem modesta de porta e janela,   o carro parou. Um cara de meia idade, poucos dentes na boca, barba por fazer, rodeado de dois meninos bochudos,  se aproximou e foi dizendo:
              - “Veio buscar carne,  dotô” ?
               -  “ gente veio, sim, Mister John...” – e com uma gargalhada Macena olhou prá mim.  O cara não entendeu a brincadeira, mas eu senti na pele a gozação.  Mister John não era outro senão  aquele cidadão sem camisa, pitando um cigarro, que  logo entrou no barraco onde morava, chamando a gente para segui-lo.  No quintal,  estava a “preciosidade”:  pedaços de carne ensangüentada em uma bacia de banho. Ossos em outro vasilhame. Não havia muita higiene e muito menos a fiscalização da Vigilância Sanitária. Era como se estivesse ali um produto contrabandeado.  Um abate de carne clandestina. O preço do quilo meus dois “muy amigos” já haviam combinado.  Só  que era uma venda casada.  Ao levar um quilo de carne tinha-se que  levar também um quilo de osso. Mister John,  dirigindo-se a mim, explicou:

          - “Não pode sobrar nada.  Com o osso, dotô,  o sinhô faz uma  sopa....”   Eu concordei com ele. Só não concordei com a gozação dos dois companheiros... Mister John era uma figura de ficção criada pela imaginação fértil do excelente produtor de Televisão, Jorge José  e pelo talentoso ator e locutor, Marcos Macena, duas importantes ”figuraças”, pelas quais tenho grande admiração.

Marcos Macena, talentoso locutor, ator e comediante, com quem  convivi em várias oportunidades, inclusive na visita a Mister John