Novela da Minha Vida Profissional

Novela da Minha Vida: Linha Virada

Foi Fernando Spencer, que escrevia uma coluna de cinema na Folha do Povo, onde eu colaborava também com uma coluna sobre o rádio, quem me informou que havia uma vaga de revisor no Diário de Pernambuco.  Depois de um teste,  ingressei no secular Diário exercendo uma  função extinta no jornalismo de hoje.   Naquele tempo, o texto original escrito pelo redator ia para as oficinas gráficas e o linotipista transformava o  texto em linhas gravadas no chumbo quente da linotipo.  Essa nova impressão seguia em forma de uma prova,  juntamente com o texto original, para ser cotejado pelo revisor.  A tarefa consistia em comprovar as duas versões e observar se havia algum erro.  Assinalado algum erro, o material era devolvido para que a linha em chumbo fosse corrigida. O revisor era o meio-campo entre a redação e a oficina gráfica. Eu, pelo menos, quase não conhecia ninguém
da redação. Ao sair do jornal,  encontrava na calçada  Antonio Camelo, Joezil Barros,  Gladstone Vieira Bello e outros nomes da cúpula do jornal.
       Comecei no prmeiro turno do expediente da revisão,  no período da tarde. Como todo principiante cheio de  orgulho por  estar trabalhando no maior jornal do Nordeste do Brasil naquela época,  iniciei  revisando textos sem maior importância, como,  por exemplo, os anúncios classificados, os roteiros de cinema,  teatro,  anúncios fúnebres,  matérias avulsas, etc.   
Sempre tive maior aptidão pelas letras. Gostava de ler e escrever. Não foi difícil a tarefa. Ao me desenvolver no trabalho, fui transferido com excelente vantagem financeira para o turno da noite – das 7 a 1 da manhã. A família protestou, mas naquela época não havia a  insegurança que domina  as  ruas nos dias de hoje.   Saia  do  jornal,  na  Praça  da Independência, seguia pela Avenida Guararapes e na calçada do prédio dos Correios tomava o ônibus-corujão em direção à minha casa no bairro de Parnamirim.  Trabalhar no período em que o jornal fechava a edição era da maior responsabilidade.  Matérias mais importantes passavam pelas minhas mãos, como,  por  exemplo,  a crônica de professor Aníbal Fernandes, o editorial do jornal,  as chamadas de capa,  inclusive as legendas das fotos que ilustravam a primeira  pagina.  Uma certa noite, com a cabeça pesada pelo sono,  aconteceu o que eu considerei a minha primeira grande tragédia profissional.   Deixei passar uma linha virada na primeira pagina. A linha de texto foi impressa de cabeça prá baixo. Erro imperdoável. E na capa do jornal, nem se fala.  Ao entrar no elevador, o ascensorista foi logo dizendo: - “Tem  um aviso aqui prá você se dirigir  à Superintendência.”.
             E  o elevador me deixou no terceiro andar. O superintendente era o dr. Fernando Chateaubriand, filho de  Assis Chateaubriand, o todo poderoso fundador dos Diários Associados, na época a maior cadeia de jornais e emissoras de rádio e televisão do Pais. 
               A secretaria me anunciou e eu entrei na sala como se estivesse carregando um saco de 50 quilos  na cabeça.  Encontrei atrás de um amplo birô de madeira de lei um cidadão de quase dois metros de altura, que foi logo perguntando:
               - O senhor foi o revisor disso  aqui ?  - e apontou para o jornal na mesa, com um circulo vermelho no texto, onde se encontrava a fatídica linha virada.  Não havia outra resposta, já sabendo por antecipação que estava demitido sumariamente.
                -  “Fui eu, sim senhor.”
                 - “Por que isso aconteceu ?” – quis saber o “todo poderoso”.
                -  “Estava muito cansado, o sono me pegou.” – confessei.
                Aí, veio a grande surpresa. Dr. Fernando olhou prá mim, acreditou talvez na minha sinceridade, e deu um exemplo de vida que sigo até hoje:   - “Sabia que quando  está revisando o jornal o senhor é mais importante do que eu, que sou o superintendente ?”
                   Respondi que não sabia. Ele apertou a minha mão e se despediu assim:  - “Procure superar o sono  e você será um vencedor  na vida.  Vá em frente e que isso jamais se repita.”  -  O saco de 50 quilos que parecia carregar  despencou da minha cabeça,  mas da minha  memória esse fato jamais se apagou.

Secular prédio do Diário de Pernambuco, na Praça da Independência.
Atualmente, o Jornal tem nova sede no bairro de Santo Amaro