Já enfrentei muitas
dificuldades no ar, ou melhor, dentro de um avião.
A primeira delas foi para Paulo Afonso,
em agosto de 1959. Eu tinha apenas 21 anos e
escrevia para o jornal Folha do Povo.
Fui conhecer a Companhia Hidroelétrica do São Francisco
(Chesf), que acabava de inaugurar as três primeiras turbinas que
passaram a gerar energia para o Nordeste. A viagem foi num avião bimotor da Real Aerovias. Estava acompanhado de Edilton Feitosa, que na época estava concluindo o curso de piloto
em Barbacena. Conhecia tudo sobre aviação. O primeiro trecho até Garanhuns foi
tranqüilo para quem nunca tinha feito uma viagem de avião. Quando decolamos de novo, o avião fez uma
curva fechada daquelas que a gente vê a terra em cima e o céu embaixo. Edilton
comentou:
- “Isso não é permitido em vôos
comerciais. Mas, o piloto quer encurtar o caminho e lá vamos nós.... “ – e riu
prá mim. Chegamos a Paulo Afonso sem mais atropelos.
Cumpridas as minhas tarefas de
conhecer de perto a monumental obra da Chesf, inclusive visitando a imponente sala onde as três primeiras
turbinas produziam energia para a nossa região, já no final da viagem fomos
conhecer a Cachoeira e num lance de desequilibrio ao atravessar um pequeno riacho meus sapatos
sociais caíram nágua e foram embora.
A correnteza os levou. Fiquei
descalço, porque eram os únicos pisantes que havia levado. Mas, veio o conselho de gente da cidade:
- “Vai na feira de Paulo Afonso. La
tem umas alpercatas muito bonitas.”
Comprei um par de sandálias de
rabicho, aquelas de couro cru que os vaqueiros costumam usar. Pegamos o avião de volta e lá estava eu com as tais sandálias nos pés, terno bem
aprumado, camisa social, só não botei a gravata que também tinha levado para
usar numa eventual cerimônia. Na escala em
Garanhuns bronca pesada. Um cidadão, político influente na região, havia
sofrido um atentado e estava deitando numa Kombi, assistido por um enfermeiro
que lhe aplicava soro para não morrer dos dois balaços na barriga. A família queria embarcá-lo no vôo e o
comandante da aeronave exigia o visto
de uma autoridade policial. A
bronca durou mais de uma hora,
Finalmente, a vitima foi embarcada e acomodada numa cadeira-cama, enquanto a
família rezava ao seu redor para que ele
não viesse a óbito em pleno vôo. Quando
o avião estabilizou a comissária de
bordo passou a servir um cafezinho
requentado num copinho de plástico.
Segurei o tal copinho no momento em que o avião deu uma
descaída daquelas que chamam de turbulência. O tal cafezinho borrou toda a minha camisa
branca. Parecia vômito. A porta da
cabine do comandante estava aberta,
quando ouvi ele chamar a torre do aeroporto solicitando uma ambulância
com urgência. Dois problemas se
apresentaram logo para mim: primeiro, a preocupação com meus pais que estavam no aeroporto me
esperando e podiam ficar
apreensivos. Segundo – o estado lastimável da minha camisa. Que
fiz eu ? Botei o paletó e abotoei os três botões. Vejam que imagem inusitada:
um passageiro da alpercata de rabicho,
paletó todo atacado prá ninguém ver a camisa manchada e o meu semblante de preocupado com a família. Era um domingo. Três horas da tarde. O
Aeroporto dos Guararapes era atração turística (tinha sido reformado). Desci do
avião e quando me aproximei da mureta próxima da pista de pouso ouvi um cara gritar:
- “Matuto, quem morreu no avião” ?
Eu não disse que tinha sido a mãe
dele porque a minha estava ansiosa me esperando....
Em São Paulo, no Viaduto do Chá (2012)
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